Ser um líder em tempo de derrotas é, à primeira vista, ter uma tarefa inevitavelmente dura e recheada de decisões de um enorme grau de dificuldade e complexidade. A capacidade para tomar decisões de qualidade sobre pressão é inversamente proporcional à capacidade para os liderados aceitarem essas decisões de bom agrado. A credibilidade do líder (neste contexto consideremos o papel de treinador ou director) que está sobre pressão dos resultados está beliscada nesta altura e tudo aquilo que fez de bom até agora, na nossa particular mentalidade fatalista e vitimista (portuguesa), vai “por água abaixo”. Este “mindset” peculiar, do qual sou bastante crítico, tem ainda maior repercussão quando falamos de futebol e da sua importância e tradição no desporto nacional. Aprender a entender o que fazer em tempo de derrotas é a chave da reviravolta e a oportunidade para reescrever o plano de acção com ideias diferentes.

Einstein dizia “Insanidade é continuar a fazer a mesma e esperar resultados diferentes!”

Na nossa História, em várias dimensões da nossa cronologia, tivemos grandes reviravoltas, lideradas por pessoas que conseguiram clarificar os objectivos, influenciar positivamente os liderados, fazê-los acreditar nas suas ideias, ser inspiradores e carismáticos, coisa que pouco tempo antes se julgaria possível. Eles lideraram a mudança mas fizeram-no em equipa.

Somos acostumados, desde pequenos, a jogar para ganhar sempre, esquecendo um pouco que também existe a possibilidade de derrota. A lutar para sermos sempre bem-sucedidos, aprender e estudar para tirar boas notas. Não gostamos obviamente de perder, uma “batalha” ou a razão numa qualquer discussão. É sempre bom ganhar, é inegável. Faz-nos sentir bem, realizados, confiantes e aumenta a nossa auto-estima. Mas falhar tem uma verdadeira importância escondida. Falhar significa que houve um “tentar”. Significa que estivemos presentes na luta e que simplesmente não conseguimos ser superiores ao adversário. Importa ao líder reflectir sobre os motivos. Às vezes falhar ou fracassar é o melhor que pode acontecer. A uma equipa, a uma organização, a uma pessoa. Não quero dizer com isto que defendo que falhemos de propósito um objectivo qualquer mas sim que retiremos aprendizagem das falhas e o verdadeiro valor que daí advém.

No seu discurso na cerimónia de entrega de diplomas em Harvard, J. K. Rowling, famosa autora dos livros de Harry Potter, falou sobre o valor do fracasso:

“Falhar significa eliminar o acessório. (…) Libertei-me porque o meu grande medo já se tinha concretizado e eu ainda estava viva e ainda tinha uma filha que adorava e tinha uma velha máquina de escrever e uma grande ideia. E então o fundo do poço tornou-se a sólida fundação sobre a qual construí a minha vida. (…) Falhar deu-me uma segurança interior que nunca tivera ao passar os exames. Falhar ensinou-me coisas sobre mim própria que nunca poderia ter aprendido de outra forma. Descobri que tinha uma vontade forte e mais disciplina que alguma vez suspeitara; descobri igualmente que tinha amigos cujo valor estava verdadeiramente acima de qualquer rubi. (…) O conhecimento de que emergimos mais sábios e fortes dos contratempos significa que estamos, para todo o sempre, confiantes na nossa capacidade de sobreviver. Nunca nos conhecemos verdadeiramente, ou à força das nossas relações, até que ambos sejam testados pela adversidade.”

Na verdade muito do que descobrimos sobre nós surge no fracasso, na adversidade. A nossa riqueza interior, que depois transparece para quem nos rodeia e quem contactamos, vem ao de cima. O fracasso ou a derrota e o consequente ressurgimento (“a volta por cima” como se costuma dizer) trazem à tona o nosso verdadeiro Ser e revela-nos tudo acerca de nós. Lidar e recuperar do fracasso faz parte constituinte da natureza humana enquanto Ser que aprende, evolui, melhora, avança, pois isso é o que cria a dinâmica do mundo e da vida. Um Mundo só com sucessos seria um mundo desequilibrado. Não havendo nada para reconstruir o Ser Humano iria sentir-se desmotivado da sua própria vida. E a vida (e o desporto) naturalmente é feita de altos e baixos, sucessos e fracassos, dia e noite, luz e escuridão. A própria vida tem a morte para equilibrar.

in https://theworldgame.sbs.com.au/article/2017/10/14/naked-team-talk-inspires-team-victory

Talvez a facilidade de sentir e contactar com o sucesso, e a forma como no nosso dia-a-dia o conseguimos observar, leve a uma falsa percepção de facilidade na sua obtenção. Talvez não tenhamos a noção de que o sucesso é um caminho, mais do que apenas um resultado e isso condiciona-nos a desejar muito obtê-lo. Uma das características que o fracasso carrega é o medo que nós temos dele. O medo de falhar quase sempre nos leva a fracassar. Tendo mais medo de falhar do que vontade de vencer leva-nos a uma inércia, a um bloqueio mental e a partir daí só vemos barreiras à nossa frente. Um treinador que arrisca mais mostra que tem mais vontade de ganhar do que medo de perder.

Numa última referência à substituição do líder fracassado, que muitas vezes é vítima da única e mais simples forma de resolução dos problemas que é ser afastado porque já não serve ou afastar-se porque não tem motivação para sustentar a situação, deixo algumas questões. Será que a pressão colocada no treinador que é substituído é maior ou menor que a pressão colocada no que o substitui? Será que a mudança é aceite por todos os liderados? O que será preciso para o novo líder sobrepor as suas ideias às rotinas implementadas até aqui?

Quer seja numa equipa, numa organização ou individualmente, o fracasso traz uma verdadeira oportunidade para reganhar uma energia que foi sendo desperdiçada ao longo do tempo de derrota. É importante para o líder sentir que existe uma oportunidade para refazer a orgânica do grupo, em todos os sentidos, e reformular as metas propostas, e mesmo até restituir uma mística e uma identidade, algo que considero valioso.

Sendo assim existe algo bastante importante a aprender no fracasso e em tempos de crise:

“Fomos capazes do pior mas a certeza de que também já fomos capazes do melhor dá-nos a energia necessária para ter esperança, lutar de novo e crescer até não poder mais!”

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